4.1.09

...os estrangeiros e as cicatrizes - Exílios

“O músico Zano (Romain Duris) propõe à sua amante Naïma (Lubna Azabal) que ambos façam uma viagem até a Argélia, país de onde seus pais emigraram décadas atrás. Eles atravessam a França e a Espanha até que, tomados por um forte sentimento de liberdade, abandonam-se aos ritmos sensuais da Andaluzia. De um encontro a outro, eles cruzam o Mediterrâneo e terminam a viagem com a promessa da descoberta de si mesmos.”

Qual o poder das lembranças, a importância das origens e as mudanças que o tempo tratou de modificar no seu ser interior? São os questionamentos que o roteirista e diretor Tony Gatlif, vencedor do prêmio de Melhor Diretor por esse filme no Festival de Cannes de 2004, propõe refletir durante esse estimulante road movie.
Da França à Argélia, os personagens transpõem não só barreiras clandestinas, como também culturas e costumes estrangeiros que desafiam a identidade de cada um. Como um bom filme de estrada, os personagens são gradativamente apresentados até se tornarem os mais completos possíveis. Nesse aspecto, o diretor assume o papel de harmonizador da estética do espaço com a expressividade dos personagens. A fotografia moldada na geografia do submundo, forte e pesada, utiliza-se constantemente dos temperamentos de Zano (Romain Duris) e Naïma (Lubna Azabal) em busca do quadro perfeito, a relação animal do ser humano com o espaço. Há uma sensação de que o bucolismo nunca esteve tão interagido como está nessa obra. A fantástica cena de reconciliação do casal, após um suposto adultério numa apimentada noite de dança flamenca, deve ser a provável ilustração da descoberta do sexo e do pecado por Adão e Eva.

A música é outra constante na história, pois assume a noção de vitalidade da alma e do corpo como o refúgio de cada vez mais tornar-se estrangeiro, estar distante de tudo que lhe pertence. Mas é exatamente nesse ponto que está o paradoxo, a ironia. A viagem é um retorno às lembranças de Zano, mas Naima aos poucos percebe que o incomodo de ser estrangeira é talvez perceber que pertence àquilo tudo que se depara ao longo da viagem. O primor da seqüência final é transmitir tensamente as intenções dos personagens naquela espécie de exorcismo da alma e reorientação das origens.
Ao término de Exílios, aquela sensação de excelente filme é inevitável. Nada falta, nada excede. Destaque para a bela e espontânea Naima, interpretada brilhantemente por Lubna Azabal, um personagem único no Cinema. Romain Duris completa Azabal de maneira necessária e gratificante. Não existiria o filme sem essa mescla de atores e personagens. Mas prefiro não duvidar do potencial de Tony Gatlif, pois ele parece fazer mágica a cada frame captado.

31.12.08

...quando o taco faz o jogador - Violência Gratuita

“Um simples período de férias em sua casa de campo a beira de um lago transformando em pesadelo para uma família quando, estranhamente, recebem a visita de dois jovens psicopatas, que os submetem a um tenso jogo de tortura psicológica.”
Um dos filmes mais sustentados por discussões e críticas a fim de se tornar um cultuado exemplar sobre a transgressão social e psicológica do ser humano. Talvez motivado por essa aceitação do conteúdo de seu filme, por boa parte de críticos e intelectuais, Michael Haneke não tenha pensado no risco que estaria se submetendo ao refilmar o polêmico Violência Gratuita. Todo aquele papo de filme para “ler nas entrelinhas” já se encontra desgastado demais, principalmente em tempos que as entrelinhas ganharam formas sólidas e evidentes, nesse caso específico.

A violência só existe pela falta de bons modos e de diálogo no relacionamento entre as pessoas. Ponto para você, Haneke. A adolescência é fértil para se entregar ao caos do “viver em sociedade” e pode se resumir a um vazio existencial capaz de levar à agressividade e falta de princípios morais, resultando novamente na violência por si só. Novamente, ponto para Michael Haneke. O saldo disso tudo mesmo assim não é muito positivo, ao analisarmos como e o quão profundo esse conteúdo é transmitido. A resposta é pura violência gratuita, sem trilha nem susto hollywoodiano. A tensão provocada pela agressão física e psicológica e a invocação do público para participar da trama é perturbante, mas sustentado em um vazio evidente.
A função do idealizador de uma obra é disponibilizar os elementos a serem utilizados pelo público, dessa forma, felizes aqueles capazes de absorver também as entrelinhas. Mas em Funny Games, isso é limitado pela própria falta de profundidade do tema. Acho que depois de casos reais como menina rica que mata os pais com a ajuda do namorado, pais que atiram a filha da janela de um apartamento, adolescente que mata a ex-namorada depois de fazê-la refém, entre outros, a violência de Funny Games está substancialmente exposta nos noticiários, sem profundos estudos e banal acima de tudo. Resumindo, Michael Haneke não precisava refilmar um filme tão recente e frágil como este. Para os que dão genialidade a Heneke por essa obra, deviam começar a conhecer gente como Lars Von Trier, Alejandro González iñárritu, entre outros. O que não falta para esses é originalidade e conteúdo. No caso de Haneke, falta tempo e paciência para assistir a Violência Gratuita e sair comparando com Laranja Mecânica, por exemplo. É pedir demais.


(PS: Passado a temporada de vestibulares, o Eco Social volta a ativa! Feliz Ano Novo a todos. Boas realizações e felicidades em 2009, esperamos que com menos violência gratuita e mais escafandros e borboletas. Abraço!)

30.7.08

...ama-me um pouco mais - Les Chansons d'amour

O começo é belo, de fato. O diretor Christophe Honoré com muita simplicidade expõe o cotidiano dos parisienses de maneira quase inédita no Cinema. Paris é mostrada naturalmente, sem o cultivo intenso do fetiche amoroso que a cidade possui. O comércio, o trânsito de carros e pessoas comuns, um morador de rua dormindo na calçada...quando entra em cena a bela Jeanne (Ludivine Sagnier); e a primeira parte é anunciada na tela: "A Partida".
São nesses minutos iniciais que o clima musical moderno surgi com naturalidade e leveza, a musicalidade sendo o motor narrativo de casos de amor, cíumes e perdas. Um triângulo amoroso incerto e limitado é proposto, mas sem causar impacto algum. O relacionamento entre Ismael (Louis Garrel) e Jeanne tem como auxílio a presença da bissexual Alice (Clotilde Hesme), companheira de trabalho de Ismael. Como já disse, é uma relação incerta e desconhecida já que o trio é apresentado formado e logo uma fatalidade muda o rumo de tudo. Essa estranheza inicial é compensada por uma boa dose de diálogos sobre não-sexo, romantismo e relação a três, seguida de interpretações inusitadas de Louis Garrel em um almoço na casa da namorada, Jeanne. A família é um personagem quase único, mostrado com muita despretensão e sem muita profundidade. E é isto que acaba caracterizando o filme de Honoré: falta de profundidade. As canções por mais belas e entusiasmadas que sejam (uma ou outra meio bobinha, em um contexto dispensável) não deveriam ser a salvação do filme. É a sensação que ficou para mim, pois só é plausível a profundidade que os personagens ganham quando estão cantando. Mérito para as canções que de piegas não tem nada, mas o problema é acompanhá-las a ponto da satisfação ser a merecida. Sem a parte musical, o filme não existira. Seria vazio e bobo.
O que me incomodou talvez é que Honoré parece ter desperdiçado muitos personagens interessantes, não há um cuidado muito especial com eles. Os diálogos mais ricos vão desaparecendo a partir da segunda parte do filme e caminha para um descuido ainda maior, com excessão das canções. Um desastre seria impossível ocorrer mesmo sem a presença de Erwann (Grégoire Leprince-Ringuet), que surgi pelo final da segunda parte, mas é evidente a força que o filme ganha com a presença desse personagem. Erwann mostra-se interessado por Ismael, mas é tudo especulação a princípio. Inexiste expressões como bissexual ou gay, o relacionamente que vai se formando entre os dois jovens vai além dessas denominações, algo como refúgio e solidão consolada que evolui aos poucos para algo maior ou não. De repente percebe-se que o foco é esse relacionamente entre os dois jovens, os outros personagens vão sendo soterrados cada vez mais, com intervenções mínimas. Até mesmo Alice se perde na trama. É inegável que o desfecho é tido como consequência também das ações desses personagens "esnobados".
Um desfecho bonito, cativante e frio. Um certo ar de redenção fica, mas a sinceridade é mais forte a ponto de torna convincente. Ainda não vi Dans Paris também de Christophe Honoré, mas o cineasta ainda precisa se adequar melhor com tratamento de roteiro e personagem. A direção não é extravagante, mas é exatamente esse o atrativo para o gênero musical moderno muito bem orquestrado neste aspecto. Canções de amor encanta, distrái e inova em muito. Mesmo assim, vão 3 estrelas e meia.

24.7.08

...me dê uma risada - Gummo

Criador de Kids e Ken Park (ambos, porém, com direção de Larry Clark), Harmony Korine estréia na direção com Gummo e deixa evidente seu caráter excepcional em escrever e dirigir, características as quais são mantidas a risca em Julien Donkey Boy (Dogma #6) e provavelmente preservadas também em Mister Lonely, que está em pós-produção. Segundo Werner Herzog, Korine é a salvação do cinema americano. O seu estilo narrativo de tempo e veracidade fragmentados é constituído de imagens expressivas, desconexas, aleatórias e não necessariamente pertencentes a história, nesse caso dando a sensação de documentário nas "entre linhas".
Em Gummo essa aleatoriedade visual é o volante do cenário e dos personagens que ali vivem. A cidade é Xenia (Ohio), atingida por um tornado em 1974, o que pode ser a causa da fragmentação familiar marcante na realidade dos personagens. Aparentemente, tudo acontece em um bairro de classe média: casas americanas com jardins, abertas e sem muitas separações. O choque torna-se imenso quando percebemos o paradoxo entre o físico e o social. Trata-se da camada branca, pobre e de baixo nível educacional da sociedade americana; o lixo branco é camuflado pelo padrão físico americano, mas existe e pode ser comparado com qualquer outro contingente populacional que viva a esmo social. Os personagens são grotescos, decadentes, assumidamente reais. Dois que podem ser vistos como centrais são assassinos de gatos em troca de dinheiro, o qual é gastado com milk shake, cola e prostituta com síndrome de down. Nota-se no restante a mesma decadência social; o confronto de padrões é mostrado, crianças portam-se como adultas, porém sem muita imposição da moral em seus atos, a violência verbal é redimida a palavrões e agressividade sexual. A realidade é muito mais que consentida, mostra-se imersa nos indivíduos. São individualistas a tal ponto de não se fazerem vítimas de trauma familiar e social, o que fica evidente pelo fato da ausência quase completa de informações de parentesco, assim como discursos culposos a respeito de família. É uma camada de gente que vive guiados por eles mesmos, sufocados em dramas pessoais.
Harmony Korine cria um contexto de situações insanas, porém convincentes. A direção repleta de relatos soltos, imagens amadoras e situações pitorescas dá um clima sem perspectiva. Assistimos ao filme sabendo que não haverá clímax, assim como o cotidiano dos personagens. É um cenário tão amplo e indigesto que é capaz de aceitar como trilha sonora o heavy metal, música clássica e sucessos dos anos 50. Korine não tem receio em mostrar os diversos comportamentos que podem surgir na ausência da educação social, da disciplina dos homens. Mais que interessante é visualmente deslumbrante e singular.

6.7.08

...take me to your heart - Coração Selvagem

Love me tender
Love me sweet,
Never let me go.
You have made my life complete,
And i love you so.
Love me tender
Love me true,
All my dreams fulfilled.
For my darlin' i love you,
And i always will.
Love me tender
Love me long,
Take me to your heart.
For it's there that i belong,
And we'll never part.
Love me tender
Love me true,
All my dreams fulfilled.
For my darlin' i love you,
And i always will.
Love me tender
Love me dear,
Tell me you are mine.
I'll be yours through all the years,
Till the end of time.
Uuhhhhh, uhhu…uhu, uuhu! Lah, lah…lahh, lah lah lah lahhhwww!
Oh Elvis!

“ - Let’s go dance, baby.
I’m ready”
E o rock’n roll entra em cena feito orgasmo de 100 mulheres e um porco. Nicolas Cage e Laura Dern dançando em psicodélia sexual, pele de cobra e seios modelados por couro frenético. Cabelos louros desgrenhados, malboro preso na boca e esmalte vermelho ao volante de um conversível em fúria pelas estradas do Texas.
Yeah, um road-movie do caralho!
Lynch deixa claro que ser o símbolo da bizarrice exige eloqüência e confiança, ao contrário de uma simples arte de criar a estranheza por si só, incompreensível e fútil como dizem alguns anti-lynchianos. Tudo acontece quase como uma modernização de O mágico de Oz, isso é o que dizem por aí (não lembro dessa história apesar de ter certeza de que fez parte da minha infância). Basicamente, trata-se de dois jovens dispostos a fazer de tudo para viver a paixão alucinada que sentem um pelo outro, mesmo que para isso seja necessário fugir da sogrona diabólica. Lynch desde Eraserhead mostrou um lado perverso para lidar com personificações de sogras, prefiro não me lembrar daquilo que vi. Em Coração Selvagem, a energia musical da vida loca é personagem constante e molda todas as ações dos personagens atípicos e alucinantes. Os assassinos contratados pela mãe da mocinha são os toques mais bizarros e violentos da trama, apesar de assumirem um cômico trash no contexto.
Esse contexto de sexo, nudez, erotismo, rock'n roll e diálogos despretensiosos marcadamente joviais é a tragada que Lynch nos obriga dar. A Fotografia é notória e estimulante até para leigos. Nicolas Cage, Laura Dern, Willem Dafoe, John Nance, Crispin Glover, Diane Ladd, Isabella Rossellini no elenco. Agradou a Cannes e recebeu a Palma de Ouro. Coração Selvagem é uma viagem bem “Elvis não morreu”!

14.6.08

...ao pedalar bucólico - Les Triplettes De Beleville

“Champion é um menino solitário, que só sente alegria quando está em cima de uma bicicleta. Percebendo a aptidão do garoto, sua avó começa a incentivar seu treinamento, para fazê-lo um verdadeiro campeão e poder participar da Volta da França, principal competição ciclística do país. Porém, durante a disputa, Champion é sequestrado. Sua avó e seu cachorro Bruno partem então em sua busca, indo parar em uma megalópole localizada além do oceano e chamada Belleville.”

Animação ainda é um gênero que não conquistou o devido espaço e preferência. Para muitos é sinônimo de desenho infantil e entretenimento despretensioso. As exceções mais conhecidas são os amarelos Simpsons e derivados que esbanjam humor negro e críticas sempre atualizadas, sendo consideradas animações para adultos. No cinema o espaço é ainda mais restrito já que as animações ganham sala pelo seu atrativo “Disney” de ser. Porém algumas vezes tivemos o prazer de conhecer trabalhos como Akira, As Bicicletas de Belleville, Persépolis. Na verdade nem todos tiveram, aliás tratam-se de filmes “sérios” demais para Cinemas de Shopping Center, apesar de uma ou outra sala ter recebido esse “tipo sério” por no máximo uma semana (motivo: indicações ao Oscar, etc).
Sob a direção e roteiro de Sylvain Chomet, 8 milhões de dólares foram investidos na produção de As Bicicletas de Belleville. Uma animação fora dos padrões e com tudo pra ser considerada pretensiosa demais. Um exemplo típico de animação que tenta conquistar o título de gênero sério, inteligente e crítico.
Os personagens caricatos do contexto bucólico de uma Paris deprimente e sem brilho são atraentes pela melancolia bizarra e expressividade. A animação é quase uma homenagem ao cinema mudo pelos poucos diálogos (praticamente não há), apesar de ter uma trilha sonora ambientizada muito presente. E é justamente por ser quase todo dirigido em cima de sons e imagens que os personagens se tornam tão complexos e dimensionais, incluindo o sofrido cachorro Bruno e seus sonhos inquietantes. Mesmo com a frieza casualidade de comportamento observado na primeira parte do filme, o sentimentalismo mudo pode ser sentido pela atenciosa direção, inclusive digna de Oscar. Os olhares baixos, sigilosos e preocupados sempre focados e profundos.
Sylvain Chomet ainda cria diversas sátiras, além de criticar o consumismo americano, a obesidade dos fast food, artistas envelhecidos conseqüentemente esquecidos. Vemos isso com a estátua da liberdade obesa e as trigêmeas jovens cantoras e belas, posteriormente velhas e comedoras de sapos, entre outros exemplos. É relevante refletir também sobre os participantes da tal máfia secreta, a qual Champion é vítima e duramente utilizado com fins lucrativos. Talvez, por exemplo, uma analogia à práticas como o tráfico de mulheres para prostituição, a qual evidenciaria a existência de mundos obscuros baseados na lei do dinheiro, prazer e poder.
Recebeu 2 indicações ao Oscar, nas categorias de Melhor Filme de Animação e Melhor Canção Original ("The Triplets of Belleville"). Perdeu na categoria de Melhor Filme de Animação para Procurando Nemo. As Bicicletas de Beleville é um filme pouco conhecido e comentado, animação excepcional, porém abusiva demais para o convencional cinema animado. Um trabalho que ainda é pouco valorizado.

16.5.08

...o Jovem Maio 68 - 40 anos

A 61ª edição do Festival de Cannes estreou com a Cegueira de Meirelles e o sentimento nostálgico de um tempo onde a cegueira não reinou, Maio de 1968. Há 40 anos o Festival de Cannes parou. No dia 13 de maio, os cineastas Jean-Luc Godard, François Truffaut e Claude Lelouch chegam à 21ª edição do evento e disseminam o caráter da revolta que acontecia em Paris desde o início daquele mês. O júri integrado por Roman Polanski, Louis Malle e a atriz Monica Vitti se adere ao protesto e o boicote é consolidado após a retirada dos filmes de Milos Forman, Carlos Saura e Alain Resnais, que disputavam a Palma de Ouro. Cannes é encerrado e o vigor político revolucionário é premiado. O que diabos acontecia? Ora, tudo “começou” dia 1 de Janeiro quando cinéfilos e cineastas saem em protesto indignados com o ministro da Cultura da França, Andre Malraux, que além de ameaçar cortar verbas da Cinemateca Francesa ainda havia demitido um dos fundadores da instituição, Henri Langlois. Em Maio, estudantes ocupam universidades e as ruas de Paris em confronto violento com os policiais da Compagnie Républicaines de Securité (CRS), a tropa de choque francesa. É o basta à burocracia das Universidades e a luta pelo reconhecimento da diversidade cultural e alcance dos direitos civis, assim como a liberação sexual e o anti-autoritarismo. Postura da Nova Esquerda, inspirados pelos intelectuais Herbert Marcuse e Guy Debord, os estudantes utilizavam a violência e a força intelectual da linguagem em cartazes e pichações que diziam: "A imaginação ao poder", “Abaixo o realismo socialista. Viva o surrealismo”, “Consuma mais, viva menos” ou “A humanidade só será feliz quando o último capitalista for enforcado com as tripas do último esquerdista”, dentre outros. Um contexto ideológico que se assemelhava muito aos indícios críticos da Nouvelle Vague, um dos motivos do Cinema ser considerado um personagem extremamente importante neste cenário político e social. Não foram apenas os cineastas da Nouvelle Vague que se mobilizaram, mas também o sindicato dos trabalhadores que anunciava greve e exigia melhoras nas condições de trabalho e aumento salarial.
O ano de 1968 foi palco de revoltas mundiais. No Brasil, estréia peça teatral “Roda Viva” (escrita por Chico Buarque e dirigida por José Celso Martinez Corrêa) enquanto estudantes enfrentavam o intensificado regime militar, marcado pela forte repressão policial e censura política. No mesmo ano, atores da peça são espancados por radicais de direita (integrantes do grupo Comando Caça aos Comunistas, CCC). E ainda, Carlos Marighella anuncia a criação da Ação Libertadora Nacional (ALN), organização que propunha a luta armada contra a ditadura militar. Nos EUA, Martin Luther King, militante dos movimentos contra a segregação racial, é assassinado no Tenesse. Dias depois o musical “Hair” estréia na Broadway causando polêmica pela nudez e apologia às drogas. Ano também em que Robert Kennedy é assassinado. Tais fatos são alguns de vários acontecimentos que marcaram aquele ano de paradoxos e também de juventude que não estava entendendo nada, segundo Caetano Veloso após ser vaiado por jovens na apresentação da canção “É proibido proibir”.
Não é um aniversário de 40 anos, mas a celebração de anos que sempre remetem a 1968. O legado tem dimensões que conceituam democracia, aceitação da diversidade espiritual, cultural e sexual, dentre outros. Foi o ano que as manifestações organizadas e conscientes mostraram que podem mudar o rumo do sistema, mesmo que sem nenhuma tomada de poder pela juventude, como aconteceu.
O Cinema talvez seja o principal fator de memória e insistência nostálgica daquele ano. Mesmo com a intensidade ideológica dos conflitos juvenis e todo o contexto político mundial, o ano de 1968 aos poucos perde a sua lembrança e reconhecimento no âmbito político e social atual. A sétima arte, porém, hora ou outra nos presenteia com obras como Amantes Constantes, de Phillipe Garrel e Os Sonhadores, de Bernardo Bertolucci, que é felizmente tendencioso ao preferir relatar um caso isolado de três jovens que se refugiam em discursos políticos românticos, revolucionários, sexo, cigarro e Cinema ao invés de abordar as rebeliões estudantis de 68 em si. Bertolucci age intencionalmente crítico, pois afinal é esta a realidade da juventude contemporânea. Jovens que falam em Marx, socialismo, anarquismo, liberdade de expressão, Che Guevara e mais um acervo de termos revolucionários, que em tese e na prática ficam soltas em conversas de bar.
1968. O ano que aguardamos voltar. Há 40 anos dorme uma juventude. Descubra o Cinema se quiser conhecê-la! Ou se infiltre em bibliotecas e tente entre livros do Harry Potter encontrar algo que para aqueles tempos interessava a muitos.
Fonte: g1.globo.com

27.4.08

Mr. Mestre - David Lean

Antes tarde do que nunca. Apresento a vocês o especial do cineasta David Lean e, talvez, fim do mês de Maio postarei o de Martin Scorsese ou François Truffat, ainda não sei se começarei pelos mais votados ou pelos menos votados. Lembrando que estou meio sem tempo pelo vestibular, por isso a incerteza dos posts.
No mais, deixo aqui um pouco do grandioso David Lean. Foram os filmes que consegui ter acesso, mas ficam as outras indicações da excelente filmografia do cineasta.

História: Ele veio de uma família muito tradicional e que o proibia de ir ao cinema quando criança. Seguiu a carreira de contador, mas aos 20 anos largou tudo e foi para o mundo do cinema. Começou servindo chá e carregando latas de negativos nos estúdios Lime Grove, em
Londres. Em pouco tempo passou a montador e em 1942 chegou à co-direção do filme "Nosso Barco, Nossa Alma" em parceria com Noel Coward.
Mas ele chamou a atenção dos críticos e do público com a adaptação para o cinema das obras de
Charles Dickens, "Grandes Esperanças" em 1946 e "Oliver Twist" em 1948.
Muito detalhista e apaixonado por realizar espetaculares épicos, ele criou obras inesquecíveis para os amantes do cinema a partir de "
A Ponte do Rio Kwai", que levou o Oscar de melhor filme em 1957. Seus filmes conquistaram ao todo 28 prêmios Oscar e renderam muitos milhões de dólares em bilheteria. Os recordistas foram "Lawrence da Arábia" e "Dr. Jivago", ambos da década de 60.
Em
1984 ele recebeu o título de Cavaleiro do Império Britânico e morreu sem realizar um sonho que era levar para as telas o romance "Nostromo" de Joseph Conrad, a história de uma república às voltas com uma revolução.Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/David_Lean

Perfil: A marca de um dos grandes realizadores da história do cinema inglês não lhe é concedida por uma simples admiração ao cineasta. David Lean se afirmou amante de grandiosos épicos em 1957 com “A Ponte do Rio Kwai”, sendo antes um cineasta de obras mais simples, porém extraordinárias como “Grandes Esperanças” e “Desencanto”. Após seu primeiro épico, sua mania de grandiosidade e perfeccionismo detalhista só aumentaram e evoluíram a ponto de recriar realidades e cenários históricos magníficos. Obras marcadas pela fotografia e trilha sonora imponente e orquestrada tipicamente ao perfil inglês, forte e dominador. Mas Lean nunca consagrou esta postura positivamente, o que pode-se notar pelas constantes críticas aos ingleses em seus filmes sempre o mostrando interesseiro, arrogante e equivocadamente nacionalista. O choque cultural é outro aspecto observado de forma real em suas obras, em circunstâncias constrangedoras e desumanas. É impossível negar a importância de David Lean para o cinema, afinal é o criador de épicos históricos e marcantes para o gênero que hoje está em decadência. Mas Lean nem sempre agradou os críticos. A partir de “A Ponte do Rio Kwain”, a grandiosidade das obras de Lean geraram críticas vinda de François Truffat e de gente da Nouvelle Vague francesa, aborrecidos com o caráter caro de superproduções do cinema inglês, especialmente o de Lean.

Filmografia:
· 1984
Passagem para a Índia (A Passage To India)
· 1970
A Filha de Ryan (Ryan's Daughter)
· 1965
Dr. Jivago (Doctor Zhivago)
· 1965
A Maior História de Todos Os Tempos (The Greatest Story Ever Told)
· 1962
Lawrence da Arábia (Lawrence of Arabia)
· 1957
A Ponte do Rio Kwai (The Bridge On The River Kwai)
· 1955
Quando o Coração Floresce (Summertime)
· 1954
Papai é do Contra (Hobson's Choice)
· 1952
Sem Barreira no Céu (The Sound Barrier)
· 1950
O Grito da Carne (Madeleine)
· 1949
A História de uma Mulher (The Passionate Friends)
· 1948
Oliver Twist (Oliver Twist)
· 1946
Desencanto ou Breve Encontro (Brief Encounter)
· 1946
Grandes Esperanças (Great Expectations)
· 1945
Uma Mulher do Outro Mundo (Blithe Spirit)
· 1944
Esta Nobre Raça (This Happy Breed)
· 1942
Nosso Barco, Nossa Alma (In Which We Serve)

Três pérolas do Mr. Mestre David Lean:

1) Desencanto (Brief Encounter)

“Um sensível relato do que acontece quando duas pessoas, estranhas e casadas, interpretadas por Celia Johnson e Trevor Howard, acabam se conhecendo por acaso. É a história destas duas pessoas, unidas pelo destino, indefesas por causa de suas emoções, mas redimidas por sua coragem moral.”

Um filme que se destaca pela sua sinceridade e delicadeza. Em tempos que a traição era vista como algo sórdido e grotesco, David Lean consegue expressar com transparência a inocência de uma paixão. O destaque está no roteiro escrito com declarações tão pessoais dos personagens, assim como seus medos e incômodos, o que acaba também dando leves toques humorados a trama. A fotografia em preto e branco se destaca pela estação de trem, o Café onde os passageiros aguardam pelo trem e pelas ruas da cidade. O trem que insiste em apressar os encontros e separar os inocentes apaixonados é o veículo da insegurança vista nas expressões de Célia Johnson e Trevor Howard.
Temos com esta obra um David Lean sensível e criativo, sem grandiosidade técnica de épicos mas com um roteiro marcante, que pouco ousou voltar desde então para o gênero. Um romance único!

2) Lawrence da Arábia (Lawrence of Arábia)

“Em 1935, quando pilotava sua motocicleta, T.E.Lawrence (Peter O'Toole) morre em um acidente e, em seu funeral, é lembrado de várias formas. Deste momento em diante, em flashback, conhecemos a história de um tenente do Exército Inglês no Norte da África, que durante a 1ª Guerra Mundial, insatisfeito em colorir mapas, aceita uma missão como observador na atual Arábia Saudita e acaba colaborando de forma decisiva para a união das tribos árabes contra os turcos.”

Esta certamente é a grande obra do cineasta. O épico consagrado no mundo todo causou admiração inacabável e 7 estatuetas do Oscar (Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Edição, Melhor Direção de Arte - A Cores, Melhor Fotografia - A Cores, Melhor Som e Melhor Trilha Sonora) e mais 3 indicações nas categorias de Melhor Ator (Peter O'Toole), Melhor Ator Coadjuvante (Omar Sharif) e Melhor Roteiro Adaptado.
Lean usa fatos históricos, criatividade mítica e religiosa e dá a obra um aspecto político, heróico e bíblico. Diferente dos pseudo-épicos atuais, Lawrence da Arábia não é minimalista a ponto de fazer de seus personagens apenas veículo para a história. Os personagens nesta obra ganham uma imensidão complexa de atitudes e sentimentos, pondo em cena a relação do homem inglês com o deserto desconhecido. É o choque cultural que muitas vezes determina os rumos incompreendidos seguidos por Lawrence e o torna imprevisível durante algumas fases do filme, as vezes sendo até mesmo confuso por ir do “bom e herói” ao “covarde e inglês”.
Os árabes estão representados por povos de diferentes culturas em constante rivalidade, mas com um inimigo em comum, os turcos. Comum também para os ingleses. É apenas nisso que se baseia a união de ambos, mas é suficiente para que Lean crie um contexto de interesses políticos que se atrapalham ao lidar com duas nações de morais e costumes diferentes.
A trilha sonora é um registro impecável para o Cinema. A fotografia detalhista e expressiva ganha seus pontos ao filmar o deserto com planos abertos, longos e esmagadores. Um épico que só David Lean conseguiu criar.

3) Passagem para a Índia (A Passage to Índia)

“Quando duas senhoras Inglesas de ideias liberais, Mrs. Moore (Ashcroft) e Adela Quested (Davis) chegam à Índia, ficam chocadas com o brutal racismo existente por parte dos ingleses. Felizmente, o bondoso Dr. Aziz (Victor Banerjee) eleva-se à intolerância e guia as duas senhoras numa maravilhosa viagem às misteriosas grutas Marabat. Mas o passeio torna-se em pesadelo, e terrívelmente assustador. As notícias do incidente depressa se espalham por toda a Índia, acendendo o rastilho de uma bomba prestes a explodir.”

David Lean finaliza sua filmografia em grande estilo com esta obra de experiência cinematográfica belíssima. Mantêm a grandiosidade de seus cenários, trilha sonora orquestrada, planos abertos e longos, veiculado pela fotografia detalhista. Porém, talvez, aspectos nunca tão bem contextualizados antes. O choque cultural é o destaque deste exercício de expressão que cria Lean. O visual novo e olhado com desdém pelo inglês ao mesmo tempo os põe a prova de seus costumes e morais, quando são obrigados a conviver indiretamente (as vezes, diretamente) com os indianos. David Lean cria passagens complexas que exigem interpretação delicada de seus detalhes, como o encontro da senhora Moore com Aziz na mesquita e as reflexões sobre o “terrível e belo rio”. As perturbações que as inglesas sofrem nas cavernas misteriosas de Marabat também são intimistas e sensíveis, retomando a capacidade de Lean em criar situações sinceras, difíceis e humanas. Lean também discursa sobre a imposição jurídica inglesa em outras nações e as conseqüências de seus julgamentos a um ser de cultura e concepções diferentes.
E é anos após que David Lean se despede do cinema, falecendo em 1991. Obras que de uma forma ou outra interferiram na composição do Cinema. Passagem para a Índia é um exemplar disso e de todos os aspectos característicos de David Lean.

19.4.08

...vivendo a coleira de Giotto - Savage Grace

“Barbara Daly Baekeland (Julianne Moore) é uma mulher bonita e carismática. Mas isso não é suficiente para apagar o abismo de classes existente entre ela e seu marido, Brooks (Stephen Dillane), o herdeiro da fábrica de plásticos Bakelite. Quando Tony (Eddie Redmayne), o único filho do casal, nasce, essa delicada relação desaba. Tony é visto pelo pai como um fracassado e, conforme amadurece, se aproxima da solitária mãe.”


Dirigido por Tom Kalin, um premiado roteirista, diretor e produtor que há 15 anos não trabalhava com longa-metragem (desde Swoon – Colapso do Desejo), Savage Grace (ou Pecados inocentes, título nacional) é baseado em livro homônimo de Natalie Robins e Steven M.L. Aronson e relata a história real de Barbara Daly Baekeland, assassinada em 1972 pelo filho.
A primeira parte do filme com Tony ainda bebê é de um glamour cinematográfico altíssimo, requintado à ambientações físicas e sonoras da década de 50 e narrativa típica de alta sociedade, onde até mesmo circunstâncias desagradáveis são contornadas com classe e discrição. A personalidade de Bárbara (fortemente interpretada por Julianne Moore) é quase que cuspida do nada e estamos diante de uma mulher que beira um paradoxo entre o seu meio social e sua natureza psicológica e sentimental. É nesta imprevisibilidade que a história se anuncia durante todas as épocas que se sucedem, as quais também são muito bem ambientizadas, o que dá ao filme proximidades modernas e estilísticas diferenciadas conforme o passar dos anos. O resultado é uma dinâmica de fatos em determinados tempos que vão montando a vivência de personalidades complexas e conflituosas da família Baekeland. Tal dinâmica também traz um certo incomodo ou estranhamento pela falta de planos longos e estabilidade narrativa, o que acaba por se tornar um filme de evoluções rápidas e de identidade desconhecida, algo como uma sucessão de flashes de um sonho aparentemente misterioso.
A direção de Tom Kalin e o roteiro solto e eficiente de Howard A. Rodman fazem um filme atípico e cuidadosamente levado para uma postura sem denominações melodramáticas e personagens culposos. Num contexto que aos poucos surgem o incesto, o homossexualismo e desequilíbrio emocional/mental, a humanização alcançada dos personagens dá a este cenário de relações aparentemente obscuras, aceitação e naturalidade dos fatos se resumindo a atos puramente de amor. A relação da mãe e do filho só é sustentada pela admiração e amor entre eles, mas se desequilibra aos poucos e tomam caminhos confusos conseqüentes a fragilidade emocional de ambos, agravadas constantemente pela ausência do marido e pai. Tom Kalin também se destaca por não cair nas tendências de abordagem do homoerotismo como um fator obscuro e novo, ao invés disso soube filmar com naturalidade a ponto de se passar despercebido.
Savage Grace certamente deixará a maioria do público um pouco confuso pela sua eficiência de relato, assim como diversos detalhes e sentidos que circulam a finalização marcante da história. Trata-se de uma experiência cinematográfica nova e rica, sem padrões e quase não biográfica. Julianne Moore, Eddie Redmayne e Stephen Dillane em performances deslumbrantes.